Sandro Mesquita
Tudo de novo
Por Sandro Mesquita
Coordenador da Central Única das Favelas (Cufa) Pelotas e Extremo Sul
[email protected]
"As previsões para um ano melhor parecem boas, mas também difíceis, mesmo assim anunciam fogos de artifícios, buzinas, foguetes nas praças e apertos de mãos, uma grande alegria envolve a nação." Com uma frase de uma letra minha de rap que foi escrita há algum tempo, mas nunca foi gravada, eu começo esse texto e, pode-se dizer, essa reflexão.
Como geralmente se faz na aproximação do fim de cada ano, paramos para pensar o que produzimos, o que conseguimos realizar dentro das possibilidades e projetar o próximo período.
No manuscrito eu avaliava e descrevia nosso aprisionamento a um calendário anual que, com a contribuição de um sistema capitalista que rege nossa sociedade e nosso tempo, nos impulsiona a uma cultura de consumo e uma demanda mercadológica com datas, prazos, juros, metas, boletos e todo incremento necessário disfarçado de sentimentos e emoções.
Ora, o que quero trazer aqui é como estamos condicionados a costumes e tradições que nos foram repassados e apresentados de geração em geração, nos levando a conceber essa forma de viver. O refrão da letra aqui referida dizia: "Tudo de novo, tudo de novo, tudo novo, vida nova para nosso povo", que dentro da perspectiva, da retrospectiva e do sentimento que envolve o imaginário humano mundial, é o que se deseja. Quem nunca proferiu palavras de incentivo, motivação, encorajamento e votos de paz e saúde para parentes, vizinhos, amigos e até mesmo desconhecidos?
Mas a questão aqui é nos colocar cara a cara com o calendário que nos proporciona 365 dias de um ano dividido por 12 meses, com quatro semanas em cada mês, geralmente, e alguns feriados que torcemos para que cheguem e não caiam aos finais de semana. Se pontuarmos na "folhinha" todas as datas que se dizem importantes e são colocadas para que não esqueçamos, teremos já um bom inicio de possibilidades ou opções de gastos em algum gesto de lembrar das pessoas que nos cercam, sem contar com os aniversários, mas vamos por partes.
Em janeiro, geralmente parte das pessoas tiram férias ou fazem um investimento com aquela graninha que entrou do 13º salário, esperando o próximo mês de fevereiro, que traz consigo toda e expectativa da festa e folia de Momo. Para quem gosta e participa, dentro ou fora da passarela, já pode preparar o bolso para se fantasiar de alegria e, ao mesmo tempo, deixar uma reserva na carteira para o material escolar. É nesse período que começam a chegar as listas das escolas de samba e de educação e, quando começamos a fazer os cálculos, o coelhinho bate à porta oferecendo chocolates e outras coisas para nos anestesiar pra continuidade do ano.
Em maio nosso dinheiro recebe uma sobrevida, muito pequena é claro! Mas nos motiva ao debate de pisos salariais e não esquecer a lembrança da mamãe. Dando continuidade à prova de fogo, daí pulamos fogueiras, dançamos quadrilhas e vamos passando meio ano correndo atrás da máquina com a ajuda dos santos de plantão. E para todas as ocasiões termos um presente.
Chega setembro, como diria Tim Maia, e nos sentimos "Independentes". Ao menos é isso que nos passam nesse período e também fazemos disso comércio. No próximo mês, proclamamos que somos felizes e nossas crianças e padroeira também são lembrados, assim como os entes queridos e finados que recebem suas homenagens e flores. Mas já estamos novamente de olho naquele dinheirinho que está na planilha para que em dezembro possamos passar um Natal na dividida entre Jesus e Noel, mas com uma lembrancinha para cada um. Para depois recomeçar tudo de novo.
Carregando matéria
Conteúdo exclusivo!
Somente assinantes podem visualizar este conteúdo
clique aqui para verificar os planos disponíveis
Já sou assinante
Deixe seu comentário